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segunda-feira, 16 de março de 2015

Para os astros que cobiçam o estrelato

Num mundo perfeito, onde o Homem vive a natureza, aprecia a arte e olha o céu, esta estrela que tanto brilha, já há muito era idolatrada. 
Nós, no entanto, pobres coitados que somos, continuamos de olhos fechados para um esplendor tão intenso que deixaria Da Vinci de boca aberta e que faria corar qualquer Galadriel que por aí se encontrasse. Cegos, percorremos as estradas cheias de buracos que nos guiam pela vida sem nunca olhar para o céu nocturno, sem nunca ver as mais belas coisas. Sabemos que Orion lá está, com o seu cinto brilhante, para ele também não olhámos, não procuramos a perfeição do infinito.
É bastante comum essa relegação do perfeito para outro plano, deixá-lo lá no seu canto onde não incomoda ninguém, onde podemos dizer que tem uma vida pacifica sem muita turbulência e que ao menos está vivo isto, claro, se o formos alimentar de vez em quando. Parece-me, ainda assim, de espantar que nos fiquemos pela ignorância e que nunca antes tenha havido um homem ou uma mulher que, por acidente ou intencionalmente, tenham reparado na poderosa luz que emana naquela que para mim é a mais bela de todas as estrelas.
Os raios de particulas rápidas que estende até à Terra em nada se comparam aos das outras que a tentam copiar mas que apenas vão soprando uns raios agradáveis. Os raios dessa incrivel estrela não só aquecem e iluminam, não só alegram e guiam, trazem sabores e sensações, pequenos laivos de coragem e inspiração.
Neles sente-se delicadeza, de toque e de espirito, neles viaja um riso leve e contagiante que se deleita com as peripécias daqueles que a deviam adorar, neles navega um galeão cheio do mais puro conhecimento, de uma sabedoria imensa que me enche de espanto de tão simples que é. 
Na luz que generosa a estrela nos dá, essa dádiva tão preciosa, pode-se ver a serenidade de quem sabe que tudo vai correr bem e o nervosismo de quem teme pelo fracasso das pernas à medida que os passos se vão acomulando, nela pode sentir-se uma amizade intensa, um carinho que se espalha pela superficie deste cansado planeta e que o deixa um pouco mais aliviado do enorme peso que suporta.
Enganem-me e digam-me que nem por um momento na vossa vida sentiram esse sopro de leveza, esse laivo de paixão, essa grandiosa presença que transforma o mundo e que por vezes vos deixa um sorriso tonto nos lábios.
Eu sinto a perfeição que me envolve a mim e ao mundo, sinto a beleza que não me permite olhar noutra direcção, sinto a perdição que me causa e o desejo de voar que me dá, sinto a felicidade de que me enche e que mais não posso negar.
Olhem para a estrela que vos ilumina, com esta descrição não lhe faço jus e quem dera a um cego vê-la.

Keane - Bend and Break


Fiquei recentemente a saber que os Keane estão a dar uma "pausa". Só tenho pena de não os ter podido ir ver da última vez que vieram a Portugal.

Meet you on the other side!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

O Pinhal dos Vendavais

Meu amor,

Digo-te porque o sei.

O meu mundo não é o mesmo desde há muito e apesar de todas as mudanças que já o viraram do avesso, continuo-me a lembrar de como tudo começou.
Nunca fui curioso ou desinibido o suficiente para tentar perceber tudo aquilo que me saltava ao olhar ou que teimava em não perceber, mesmo que me desse a volta a cabeça e que, à noite, na segurança dos meus cobertores, eu ponderasse. Vivia, apesar do meu rosto alegre e despreocupado, em comunhão com uma terrivel angústia por estar sempre a rejeitar o mundo e por não me deixar viver o que tinha para viver sem qualquer restrição. No entanto, como bem sabes, continuava a rir-me e a cantar muito alto, como se o planeta fosse meu.
Houve, naquele dia, e felizmente, algo em mim que despertou e me deixou ver tudo de uma outra forma, muito mais suave e bela.
Tempestades não eram aqui vistas havia muito tempo, o clima solarengo reinava e nem o Inverno conseguia trazer o frio intenso que em tantos outros lados se fazia sentir. Eu estava no pinhal, como sempre, o sitio onde me escondia, entre árvores e árvores ornadas com folhas e de casca grossa. Escrevia, como sempre fiz, e não temia nada do que ali pudesse aparecer. Não porque achasse que conseguiria afastar qualquer mal que me viesse a perseguir ou porque achasse que ali no meu santuário, onde escrevinhava no meu caderno, ninguém se atrevia a entrar, nem por pensar que por um qualquer estranho motivo todos os animais que ali viviam se aliavam a meu favor e expulsavam todas as almas humanas que não a minha.
Ali tinha sossego, o silêncio barulhento da natureza confortava-me e os ruídos da civilização não conseguiam penetrar por entre as árvores que tão boa companhia me faziam. Ali a inspiração corria livre e a arte preenchia-me, ali tudo era puro, tudo era bom e, mesmo assim, eu não era alegre, escrevia negramente poesias de tristeza e melancolia, ali não havia amor, as pedras não me adoravam e a terra fria não me aquecia o coração.
Cinco segundos foram os suficientes para que tudo mudasse e o espanto me preenchesse o coração.
Vinda para lá das árvores, do lado oposto ao qual eu tinha chegado, apareceste tu, com um vestido branco a adejar violentamente, sim, mesmo ali por entre as árvores onde nem mais a pequena brisa corria, e uma flor roxa, da qual ainda hoje não sei o nome, no cabelo que como o de uma deusa esvoaçava em redor do teu rosto moreno.
A minha boca abriu-se tanto de espanto que um pardal podia ter voado lá para dentro e feito o seu confortável ninho. Quem se atrevia a entrar onde antes só eu ia? Quem era aquela que se atrevia sem qualquer pudor a trazer o vento para onde antes reinava a calmaria?
Pensei em esconder-me atrás da árvore onde me encostava, talvez subir para junto das centenas de animais e insectos que vivam nos seus ramos, cavar um buraco e enterrar-me lá. Se mostrasse que estava ali alguém certamente tu não terias medo de ali ficar e o meu sossego nunca mais seria reestabelecido.
Felizmente, sei-o agora, as minhas pernas não tiveram vontade suficiente para se moverem e deixei-me ali ficar, de boca aberta e com o lápis na mão, com a ponta a premir o papel do caderno no inicio de uma qualquer palavra da qual já me esqueci.
O ar não se movia, nem o bater das asas de uma mosca por ali se aventurava e, ainda assim, aproximaste-te de mim com o vestido a adejar violentamente. Preparei-me mentalmente para o frio, mas fui surpreendido quando de ti apenas calor foi emanado.
"Olá", cumprimentaste-me tu com um sorriso encantador nos lábios, "Costumas vir aqui? Eu nunca cá tinha vindo antes."
Acenei afirmativamente embriagado pela doçura da tua voz e puxei o caderno de encontro ao meu peito para que não pudesses ver a parte de mim que ali se escondia.
" É um pinhal bonito, sossegado, gosto do sossego e de música, o meu sossego mais sossegado é a música e um bom livro, como o que tens aí junto ao coração, tenho a certeza de que é um bom livro", declaraste enquanto te sentavas perto de mim, encostada à mesma árvore.
Permaneci calado durante os breves segundos em que o teu cheiro semelhante a pó de estrelas não chegou ao meu nariz. Soltei um suspiro e voltaste a sorrir.
Mantive o meu caderno fortemente encostado ao peito e, fazendo uso da pouca curiosidade que por mim navegava, observei a flor roxa que te ornava o cabelo. Nela vi nada mais nada menos do que um olho que chorava e, espanto dos espantos, olhei imediatamente para os teus olhos que continuavam presos em mim. Neles, oh grandiosa e bela vida!, neles vi cidades, nuvens e o céu, planetas e estrelas, galáxias e perfeição...que perfeição! O meu caderno desprendeu-se do meu peito e caiu no meu colo. Voltaste a sorrir.
"Posso ler?"
Podias tudo e, já rendido, até te entreguei o caderno. Não desviei o olhar enquanto o leste. Veio a noite e a lua, o sono, não adormeci e o sol estendeu-se novamente pelo céu com o azul como companhia, lias ainda e sorrias, como nunca deixas-te de fazer. Quem era aquela que ali estava? Quem tinha destruído as barreiras do meu pinhal e lia agora o meu coração?
Na noite do terceiro dia, acabaste de ler e finalmente pude ouvir o que tinhas para dizer. "Tinha razão, é um bom livro, mas, como não pode deixar de ser, depois de alguém fazer o bem como tu fizeste, é preciso retribuir. Queres ler o meu coração?"
Sorri, acreditas? Sorri e voltei a sorrir e tu sorriste também e encostaste a minha cabeça ao teu peito.
Foram breves os momentos que se passaram antes das lágrimas me correrem pelo rosto. Não ouvi um bater ritmado, violinos ou poesia.
No teu peito havia ar zangado, vento raivoso que batia pelas paredes do teu corpo qual furacão ensandecido. Mais bela música não podia haver. "Este é o meu sossegado coração" ,explicaste-me tu depois de uma semana encostado ao teu peito.
Recostei-me na árvore outra vez e ali fiquei a olhar para o verde infinito do pinhal onde tantas coisas se escondiam e só tu, bem à vista, me interessavas.
Um mês se passou até que como quem não quer a coisa agarraste a minha mão e te encostaste ao meu ombro. O teu cheiro tornou-se ainda mais forte e, redobradamente inebriado, senti parte do teu vendaval passar para dentro do meu sossego. No pinhal já abanavam as folhas e borboletas voavam.
Algo me envolveu a alma e sem saber de onde tamanha coragem tinha surgido, apertei ainda mais a tua mão, para nunca mais a largar, e olhei-te bem no fundo dos dois universos que te embelezavam a face.
Tocaram-se lábios e ventos infinitos começaram a fazer parte de mim acalmando-se o teu peito e ficando ele com um pouco do meu sossego.
Olhaste tu para mim e o teu vendaval nunca mais dali saiu.

Digo-te, meu amor, porque o sei...Amo-te.

Do teu,
André.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Quinta

Ao amor da minha vida,

Que seja maldito o mundo, os homens, as mulheres, as armas, os animais, as plantas e a terra que piso. Que tudo seja maldito que não aguento mais, que tudo me caia em cima que pode ser que algo em mim tenha novamente vontade de lutar e faça com que a cobardia deixe a minha alma.
Vejo tudo a preto e branco agora. Tudo é demasiado simples. Luto e não quero lutar mais, tão simples quanto isso, tão fácil de dizer.
Vou para a neve, roubar um cavalo e viver dos animais que encontrar ou dos que conseguir roubar, vou atravessar França, percorrer Espanha, fugir à raiva dos meus camaradas, às armas dos meus inimigos!
Vou imitar aqueles que me acompanhavam, poucos sobram, apenas aqueles que não têm forças para fugir e porque hei eu de os defender? Não! Recuso-me!
Deves estar a perguntar-te o porquê desta minha carta, desta minha demonstração de cobardia.
Eu respondo-te.
Escrevo-te para te implorar. Implorar-te por perdão, compaixão, compreensão, paixão, saudade, pena, repulsa, nojo, piedade, amor, ódio, alegria e tristeza.
Qualquer que seja o sentimento que te assole, seja ele qual for, imploro-te que não o rejeites. Prefiro até que me odeies a que não sintas algo por mim.
Sou cobarde, sim, sei-o bem. Sou cobarde por desertar, por não me manter leal, por ter medo, por deixar os meus camaradas entregues à morte. Sou cobarde, mas quem me pode culpar? Porque não lutam os Reis e ministros, o papa ou os generais? 
Sou cobarde e o único medo que não tenho é medo de o admitir.
Sou cobarde e vou repeti-lo. Sou cobarde!
E quem me pode contradizer? Qual seria o homem que ao ver-te não se renderia aos teus encantos? Qual seria o homem que não deixaria tudo para trás se soubesse que poderia voltar para ti?
Acredita em mim, até eu sinto repulsa de mim próprio. Mas como me posso contrariar? Se sou leal sou a ti e mais ninguém, se sou cobarde deixa-me sê-lo por ti e o mundo que desabe que não me importo que não quero mais nada e rejeito tudo e abomino as pessoas e tudo o resto que por aí houver e que vá tudo para os mais profundos infernos alguma vez inventados pelo homem!
Deixa-me fugir, deixa-me fugir para ti e voltar a ver o teu sorriso, as tuas lágrimas, a tua angústia, a beleza dos teus olhos. Quero-te e não aguento mais!
Faço-me à estrada, a uma qualquer, vá para Norte ou Sul ou para um qualquer penhasco, faço-me à estrada e sei que no final vou encontrar-te.
Não posso mais, mais não, e menos é muito pouco.

Odeia-me, mas que seja por algo mau, como fugir para ti.

Louco, maluco, ignorante e idiota, mas teu eterno amante,
André.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Quarta

Minha querida,

Tudo aquilo que eu achava da guerra foi totalmente alterado.
Partilhava da opinião de todos os outros soldados que comigo marcham e marcharam. Pensava eu que a guerra devia ser lutada sempre com o maior cavalheirismo possivel, sem que se fizessem emboscadas ou que se matassem primeiro os oficias, mas apercebi-me que não há lugar para o cavalheirismo quando é o desespero que nos preenche o coração.
Cinquenta. Estamos reduzidos a cinquenta maltrapilhos e desses, poucos são os que estão melhor que eu. Uns têm ligaduras por todo o corpo, outros perderam dedos, outros têm cortes tão profundos no seu corpo que são impossiveis de sarar e que constituem um banquete para os poucos vermes que sobrevivem na neve.
Se antes disparava em direcção ao inimigo e não via as caras dos homens que matava, agora atiro-me das árvores para cima deles, golpeando-os com o meu machado com toda a força que possuo. Vejo os seus bigodes, as imperfeições da sua pele, os seus olhos temerosos. Vejo tudo isso e, por momentos, penso na familia que também os espera, nos filhos que terão, nos sonhos que querem concretizar, mas o meu braço não se cansa. Golpeio-os com rapidez e o sangue espirra na minha cara.
Já não sei quem sou, meu amor. Toda a esperança já se esvaiu do meu corpo e agora já nem ordens tenho que me deêm um objectivo.
Mato por instinto, porque apesar de todo o desespero que sinto o meu corpo teima em continuar a viver. Mato porque eles tentam matar-me a mim, porque estou sozinho no meio desta neve toda, ao frio, sem comida, sem munições e eles continuam a perseguir-me, moribundo que estou, continuam a perseguir-me.
Mato apenas por matar, mas prefiro acreditar que mato para voltar a estar contigo um dia, ver o pôr do sol e esquecer o rosto dos homens que fiz partirem para o outro mundo.

Espero que o teu sorriso nunca te tenho deixado e que continues de boa saúde.
Perdoa-me as palavras sinistras, se te entristeço, perdoa-me, perdoa-me por tudo, por existir e ser quem sou, por viver e por morrer, por te amar e não te poder ter, perdoa-me, perdoa-me.
Sê feliz por mim, por favor.

Teu até ao fim,
André.

domingo, 29 de junho de 2014

Terceira

Minha querida,

Parece que o odor dos cavalos que atacaram o nosso flanco ainda está impregnado nas minhas roupas. Avançava, novamente e para meu desgosto, contra o inimigo quando os gritos dos meus camaradas tiraram os meus olhos do objectivo e me fizeram ver a chacina que decorria do meu lado direito.
Tantas vezes já montei, tanto gostei de alguns cavalos e, naquele momento, todos eles me pareceram ser das mais terríveis bestas que existem nesta nossa Terra. Fui atirado de um lado para o outro enquanto tentava fugir. As balas pararam de voar até nós, mas a cavalaria que nos atacava bramia as suas espadas e disparava os seus revólveres. Não sei de onde apareceram, não estavam lá antes, não estavam lá durante! Sei que nos mataram e que no meio de todo aquele horror eu e outros poucos conseguimos fugir para o meio das árvores que nos protegiam a retaguarda. Se me empoleirar em cima delas e me arriscar a escorregar no gelo que lhes povoa os ramos, ainda consigo ver o sangue espalhado pela neve do campo de batalha.
Rezaste por mim. Tenho a certeza que sim e digo-te que, se há quem ache que as vontades moldam o mundo, a tua pode salvar vidas.
Como estás? O que tens feito? O que tens dito? Com que tens sonhado?
Dói-me tanto não poder estar contigo, agonia-me realmente. Mas, de qualquer modo, acho que a dor me ajuda, acho que é tanta que me faz querer sobreviver para aliviar e já me conformei que este é o meu inferno e que se quero chegar ao céu que é estar contigo, tenho de fazer por isso e lutar.
Não sei quando esta carta vai chegar até ti. O mensageiro que leva a correspondência nunca mais apareceu, talvez ache que estamos tão moribundos que não escrevemos ou tenha medo de nos ver, cento e vinte apenas, e à desolação que por aqui vai. Apenas o mensageiro militar cá vem e as ordens que traz são sempre as mesmas. "Avancem e defendam a vossa casa até que o último alemão não tenha ar nos pulmões" mandam os generais...pobres de nós que estamos quase sem pólvora e estamos tão longe da civilização. 
Já só vejo monte e, no meio da árvores, tu, no teu vestido azul, a fugir de mim e a rir. Sinto-me tentado a perseguir-te e encontrar a felicidade, mas quem me diz que não morro e nunca mais te vejo? Não, não arrisco nunca mais te ter.

Continua a rezar que eu não sei que faça.

Do teu,
André.