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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Quinta

Ao amor da minha vida,

Que seja maldito o mundo, os homens, as mulheres, as armas, os animais, as plantas e a terra que piso. Que tudo seja maldito que não aguento mais, que tudo me caia em cima que pode ser que algo em mim tenha novamente vontade de lutar e faça com que a cobardia deixe a minha alma.
Vejo tudo a preto e branco agora. Tudo é demasiado simples. Luto e não quero lutar mais, tão simples quanto isso, tão fácil de dizer.
Vou para a neve, roubar um cavalo e viver dos animais que encontrar ou dos que conseguir roubar, vou atravessar França, percorrer Espanha, fugir à raiva dos meus camaradas, às armas dos meus inimigos!
Vou imitar aqueles que me acompanhavam, poucos sobram, apenas aqueles que não têm forças para fugir e porque hei eu de os defender? Não! Recuso-me!
Deves estar a perguntar-te o porquê desta minha carta, desta minha demonstração de cobardia.
Eu respondo-te.
Escrevo-te para te implorar. Implorar-te por perdão, compaixão, compreensão, paixão, saudade, pena, repulsa, nojo, piedade, amor, ódio, alegria e tristeza.
Qualquer que seja o sentimento que te assole, seja ele qual for, imploro-te que não o rejeites. Prefiro até que me odeies a que não sintas algo por mim.
Sou cobarde, sim, sei-o bem. Sou cobarde por desertar, por não me manter leal, por ter medo, por deixar os meus camaradas entregues à morte. Sou cobarde, mas quem me pode culpar? Porque não lutam os Reis e ministros, o papa ou os generais? 
Sou cobarde e o único medo que não tenho é medo de o admitir.
Sou cobarde e vou repeti-lo. Sou cobarde!
E quem me pode contradizer? Qual seria o homem que ao ver-te não se renderia aos teus encantos? Qual seria o homem que não deixaria tudo para trás se soubesse que poderia voltar para ti?
Acredita em mim, até eu sinto repulsa de mim próprio. Mas como me posso contrariar? Se sou leal sou a ti e mais ninguém, se sou cobarde deixa-me sê-lo por ti e o mundo que desabe que não me importo que não quero mais nada e rejeito tudo e abomino as pessoas e tudo o resto que por aí houver e que vá tudo para os mais profundos infernos alguma vez inventados pelo homem!
Deixa-me fugir, deixa-me fugir para ti e voltar a ver o teu sorriso, as tuas lágrimas, a tua angústia, a beleza dos teus olhos. Quero-te e não aguento mais!
Faço-me à estrada, a uma qualquer, vá para Norte ou Sul ou para um qualquer penhasco, faço-me à estrada e sei que no final vou encontrar-te.
Não posso mais, mais não, e menos é muito pouco.

Odeia-me, mas que seja por algo mau, como fugir para ti.

Louco, maluco, ignorante e idiota, mas teu eterno amante,
André.

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